Poliamor exige maturidade emocional, respeito e muita compreensão

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Acredito que ler sobre o poliamor e entender de verdade suas argumentações é sempre muito convincente. No entanto, achei importante rebater um “porém” – muito comum e digno – com o qual me deparei diversas vezes ao tentar explicar um relacionamento poliamoroso. Acontece que muita gente concorda com os ideais do Poliamor, mas afirma que na prática eles não funcionam, seja por conta dos ciúmes ou pela supostamente prejudicial divisão de atenção.

Decidi, então, ir direto ao ponto por meio de exemplos vivos e, em seguida, comentar a respeito. Trago aqui dois casais que optaram pelo formato poliafetivo. Um deles participa do Documentário “Poliamor entre os jovens de Salvador”, de minha autoria e ainda para ser lançado. O outro casal preferiu não se expor, portanto, receberam codinomes.

Gabriel, de 23 anos, namora Roberta, de 22. Após 1 ano de relacionamento e várias discussões sobre liberdade, o casal decidiu pesquisar sobre as possibilidades no amor, atitude que, após mais um ano de união, revolucionou a vida amorosa dos dois. “A gente leu, viu filmes, conhecemos pessoas (…) e percebemos que não estávamos vivendo conforme nossas crenças. Mais tarde, encontramos o momento perfeito para nos darmos a chance. Roberta estava prestes a viajar e decidimos fazer um teste. Durante esse período, estaríamos livres para nos envolver com outras pessoas. Por sorte, ambos tivemos a chance de conhecer pessoas legais. No início, eu me senti estranho e ela também. Mas, quando Roberta voltou, compartilhamos nossas experiências e percebemos que não havia nada demais. Tudo estava do mesmo jeito. Foi o começo de uma nova fase – ainda em processo de evolução.”

Gabriel afirma que a regra principal da relação é “omita, mas não minta”. O acordo entre eles tem como pressuposto que, em respeito à própria individualidade, nenhum dos dois é obrigado a contar tudo. Quando não querem responder alguma pergunta, eles dizem em tom de brincadeira: “não é da sua conta”.

Os acordos entre poli-casais, assim como o formato das poli-relações, são diversos e passíveis de grandes metamorfoses, que acontecem conforme a fluidez das necessidades de cada um. Roberta, por exemplo, ainda não se sente à vontade para saber sobre as outras companheiras de Gabriel e, por isso, pediu para que o amado não lhe falasse a respeito. Contudo, a situação parece estar prestes a mudar. “Outro dia, ela me pediu conselho sobre um rapaz com quem estava ficando. Fiquei surpreso; ela nunca tinha feito isso antes.” A nova atitude de Roberta deixa claro que ela está em processo de mudança e que, talvez, em um futuro próximo, esteja pronta para ouvir as experiências de Gabriel também.

Fica claro, aqui, que aderir ao poliamor não significa desfazer-se imediatamente de antigos costumes. Mesmo o sentimento de culpa, ao relacionar-se com outros, pode levar um tempo antes de desaparecer por completo – dividir a si mesmo pode ser tão difícil quanto dividir o amado. “Quando decidi ficar com a outra garota, tive medo de não me sentir à vontade e, também, de machucar Roberta, mesmo aquilo fazendo parte do novo trato”, diz Gabriel, sobre o período em que a namorada viajou e os dois concordaram em experimentar uma relação mais livre. Ao recebê-la de volta, ele soube que os mesmos medos a atormentaram no início. Hoje, com quatro anos de namoro, os dois ainda já estão mais adaptados e continuam progredindo.

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Caio Costa e Daniela Brangato

Caio, 25 anos, namora há três anos com Danniela, de 20. O casal afirma que apenas o rapaz estava pronto para o formato, mas a moça entendeu e concordou com o ideal de liberdade apresentado. O namorado, então, lançou uma proposta. Primeiramente, apenas Danniela teria direito a se relacionar com outras pessoas, à escolha e gosto única e exclusivamente dela. E Caio permaneceria monogâmico até que ela se sentisse à vontade para deixá-lo livre também. Tempos mais tarde, enquanto eu os entrevistava, ela admitiu: “Estou ansiosa para que ele fique com outra pessoa. Quero saber como vou me sentir”.

Danniela diz que sente muito ciúme, mas tem trabalhado a mente para superar seus medos. “Com o passar do tempo, eu fui entendendo melhor essa filosofia e estou me adaptando”.

Creio eu que Danniela chegou a uma conclusão básica, porém difícil de absorver: o ciúme começa em você e termina em você. Portanto, não é fechando a relação que alguém vai livar-se do medo de abandono. Além disso, o ciúme pode existir em QUAQUER tipo de relação, seja ela amorosa, fraternal ou entre amigos. Vai dizer que você nunca ficou com invejinha do seu primo que estava recebendo atenção demais da sua mãe? Ou da sua melhor amiga que anda saindo demais com as outras amigas e nunca mais teve tempo para você? É normal, comum e aceitável (e vai que é saudável também) sentir um pouco de carência afetiva e, conseqüentemente, essa sensação de abandono. O que eu, particularmente, não acho aceitável (e nada saudável) é deixar que a carência tome conta de você e guie sua vida, suas atitudes para com o próximo, seja ele quem for.

Então, na prática, o poliamor pode funcionar sim! Só depende da sua maturidade emocional. Da sua atitude e intimidade intelectual para com seu parceiro, o qual também necessita ser maduro emocionalmente. Afinal, não adianta ser um tenista de primeira; se o jogador do outro lado da rede for ruim, muitas bolas irão cair fora. Todo campo tem sua linha de borda, inclusive o campo do poliamor, que não é nenhum “vale tudo” como muita gente acha. Pelo contrário! O poliamor funciona bem justamente quando há compreensão e respeito pelas necessidades do(s) amado(s), como vimos nos exemplos acima. Fato que me lembra o constante mal-entendido com o termo “anarquia”, que de forma alguma significa bagunça e sim consciência dos limites. Limites estes, que felizmente estão muito além das fronteiras do moralismo social.

É importante notar que, para tudo, há limites. Até limites precisam ter limite. E eu sei que é difícil definir liberdade, talvez por isso seja também difícil vivê-la, mas exige muito pouco entender que ela nada tem a ver com libertinagem. A primeira segue as próprias vontades sem deixar de respeitar o espaço do próximo, é o caso do poliamor; a segunda tende a invadir o alheio, não é o caso do poliamor, mas sim de determinadas instituições punitivas sociais.

Sim, é muita libertinagem institucional querer invadir e desqualificar qualquer tipo de desejo e escolha pessoal que não retire o direito de desejo e escolha do próximo.

É basicamente isso que a monogamia faz como instituição. Ela nega a possibilidade dos amantes desejarem uma segunda pessoa sem que isso desqualifique minimamente a relação primeira. E quase todos acreditam tão fielmente nessa “regra do amor” que preferem esconder desejos, sentimentos e concretizações à parte da relação oficializada e socialmente. Da mesma forma, as mulheres do passado não podiam divulgar ou sentir-se em paz ao terem relações sexuais antes do casamento, pois era considerado um absurdo, uma afronta aos valores morais da sociedade.

Não estou dizendo com isso que devamos nos desfazer de todo e qualquer valor moral. Simplesmente acho importante notar que certos valores criados (sim, criados! Afinal, todo valor é, de fato, criado, independente do que seus pais ou sua religião te dizem; instituição = criação) têm maior funcionalidade que outros. E tanto transar antes do casamento quanto se relacionar com mais de uma pessoa por vez definitivamente não atrapalham a sociedade de seguir em frente. Mais uma vez, pelo contrário! Quanto menos repressões desnecessárias e improdutivas, mais saúde mental, mais pessoas bem resolvidas e em paz consigo mesmas. Ninguém precisa esperar até o casamento para ter relações sexuais, assim como ninguém deveria se sentir obrigado a ter apenas um parceiro amoroso por vez, muito menos a ter que mentir para “burlar” isso. Afinal, guardar amor e desejo nunca fez bem a ninguém.

O poliamor chega justamente com a admissão consensual dessa liberdade de escolha. Estar com uma, nenhuma, duas, três ou mil pessoas é decisão única e exclusivamente sua, da sua vontade, do seu desejo. Na prática, tudo pode funcionar quando a gente quer e se esforça para isso. Inclusive o poliamor.

-Fernanda Fahel

As coisas que chamamos de amor – Friedrich Nietzsche

Vale a pena ler com bastante atenção o aforismo abaixo, retirado da obra “A Gaia Ciência”, de Nietzsche. O filósofo questiona o significado de amor, relacionando-o com o conceito de ego ao ponto de interpreta-los como uma coisa só nomeada de formas diferentes. Ele explica o desejo de posse nos relacionamentos afetivos e deixa claro que considera a monogamia um formato muito egoísta. Ao final do aforismo, Nietz expõe o que é o amor ideal para ele. Confiram!

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Imagem: Dan Hillier

“Cobiça e amor: que sentimentos diversos evocam essas duas palavras em nós! – e poderia, no entanto, ser o mesmo impulso que recebe dois nomes; uma vez difamado do ponto de vista dos que já possuem, nos quais ele alcançou alguma calma e que temem por sua ‘posse’; a outra vez do ponto de vista dos insatisfeitos, sedentos, e por isso glorificado como ‘bom’.

Nosso amor ao próximo – não é ele uma ânsia por nova propriedade? E igualmente o nosso amor ao saber, à verdade, e toda ânsia por novidades?

Pouco a pouco nos enfadamos do que é velho, do que possuímos seguramente, e voltamos a estender os braços; ainda a mais bela paisagem não estará certa do nosso amor, após passarmos três meses nela, e algum litoral longínquo despertará nossa cobiça: em geral, as posses são diminuídas pela posse. Nosso prazer conosco procura se manter transformando algo novo em nós mesmos – precisamente a isto chamamos possuir.

Enfadar-se de uma posse é enfadar-se de si mesmo.

(Pode-se também sofrer da demasia – também o desejo de jogar fora, de distribuir; pode ter o honrado nome de “amor”.)

Quando vemos alguém sofrer, aproveitamos com gosto a oportunidade que nos é oferecida para tomar posse desse alguém; é o que faz o homem benfazejo e compassivo, que também chama de “amor” ao desejo de uma nova posse que nele é avivado, e que nela tem prazer semelhante ao de uma nova conquista iminente.

Mas é o amor sexual que se revela mais claramente como ânsia de propriedade: o amante quer a posse incondicional tanto sobre sua alma como sobre seu corpo, quer ser amado unicamente, habitando e dominando a outra alma como algo supremo e absolutamente desejável.

Se considerarmos que isso não é outra coisa senão excluir todo o mundo de um precioso bem, de uma felicidade e fruição; se considerarmos que o amante visa o empobrecimento e privação de todos os demais competidores e quer tornar-se o dragão de seu tesouro, sendo o mais implacável e egoísta dos ‘conquistadores’ e exploradores; se considerarmos, por fim, que para o amante todo o resto do mundo parece indiferente, pálido, sem valor; e que ele se acha disposto a fazer qualquer sacrifício, a transtornar qualquer ordem, a relegar qualquer interesse: então nos admiraremos de que esta selvagem cobiça e injustiça do amor sexual tenha sido glorificada e divinizada a tal ponto, em todas as épocas, que desse amor foi extraída a noção de amor como o oposto do egoísmo, quando é talvez a mais direta expressão do egoísmo.

Nisso, evidentemente, o uso lingüístico foi determinado pelos que não possuíam e desejavam – os quais sempre foram em maior número, provavelmente. Aqueles que nesse campo tiveram posses e satisfação bastante deixaram escapar, aqui e ali, uma palavra sobre o ‘demônio furioso’, como fez o mais adorável e benquisto dos atenienses, Sófocles: mas Eros sempre riu desses blasfemos – eram, invariavelmente, os seus grandes favoritos.

– Bem que existe no mundo, aqui e ali, uma espécie de continuação do amor, na qual a cobiçosa ânsia que duas pessoas têm uma pela outra deu lugar a um novo desejo e cobiça, a uma elevada sede conjunta de um ideal acima delas: Mas quem conhece tal amor? Quem o experimentou? Seu verdadeiro nome é amizade.”

F. Nietzsche, em A Gaia Ciência.

“No que os poliamoristas em geral acreditam?”

A psicanalista e escritora Regina Navarro lista os valores que inspiram a prática do poliamor. O material foi tirado do livro A Cama na Varanda – edição ampliada.

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  • Os poliamoristas dizem que sua filosofia nada mais é do que aceitação direta e a celebração da realidade da natureza humana.
  • Os poliamoristas dizem que o sexo não é o inimigo, que o real inimigo é a quebra e a traição de confiança resultante da tentativa de reprimir nosso ser natural em um sistema social rígido e antinatural.
  • Os poliamoristas dizem que o sexo é uma força positiva se aplicada com honestidade, responsabilidade e verdade.
  • Os poliamoristas não têm de atender a todas as necessidades de cada parceiro; eles devem ajudar. Se sua esposa ama ópera e você não gosta, talvez algum de seus amantes apreciará levá-la à ópera. Se ele for também um mago da informática e ajudar a consertar seu computador quando ele não funciona direito, você é uma pessoa de sorte.
  • Os poliamoristas dizem que o amor é um recurso infinito, e não finito. Ninguém duvida de que você possa amar mais de um filho. Isso também se aplica aos amigos – quando você encontra um novo amigo, não precisa se preocupar com quem terá de descartar para colocá-lo no lugar.
  • Os poliamoristas dizem que o ciúme não é inato, inevitável e impossível de superar. Mas eles lidam com o ciúme usualmente de forma bem-sucedida. Há um novo termo para o oposto do ciúme: “compersion” (sem tradução para o português ainda, talvez possa ser traduzido como algo perto de “comprazer”). “Compersion” é o sentimento de contentamento que advém do conhecimento de que uma pessoa que você ama é amada por mais alguém.
  • Os poliamoristas dizem que o amor deve ser incondicional, no lugar da proposição monogâmica de que “Eu irei amar você sob a condição de que você não amará mais ninguém”, “Desista de todos os outros”, como usualmente é colocado. E, conforme demonstrado pela história, o casamento monogâmico não dá nenhuma garantia de que uma pessoa não amará mais ninguém ao longo da vida.
  • Os poliamoristas acreditam em um investimento emocional de longo prazo em relacionamentos; assim como esse objetivo nem sempre é alcançado no poliamor, ele também nem sempre é alcançado na monogamia.
  • Os poliamoristas acreditam que eles representam os verdadeiros “valores familiares”. Eles têm a coragem de viver um estilo de vida alternativo que, embora condenado pela sociedade, é satisfatório e recompensador para eles. Crianças que têm muitos pais e mães têm mais chances de serem bem cuidadas e menos riscos de se sentirem abandonadas se alguém deixa a família.

Poliamor X Relacionamento Aberto X Amor Livre X Swing X Poligamia X “Ficar”

"Consideramos justa toda forma de amor" - Lulu Santos

“Consideramos justa toda forma de amor” – Lulu Santos

Frequentemente confunde-se poliamor com amor livre, relacionamento aberto, swing, poligamia e “ficada”. Cinco práticas diferentes, porém vistas por muitos como parte do mesmo conceito. Segue a descrição de cada um desses termos e as suas principais diferenças em relação ao poliamor.

É importante ressaltar que as definições abaixo servem apenas como pequena parte da base inicial para o entendimento das relações afetivas, que, é claro, nem sempre se encaixam perfeitamente em apenas uma categoria.

Amor Livre

Surgiu como uma forma de embate à legislação das uniões amorosas. Seus seguidores acreditam que a igreja e o Estado não têm o direito de definir o que deve ou não ser considerado um relacionamento amoroso. Eles são contra o casamento, pois o vêem como forma de controle e submissão. O Amor Livre defende e pratica todo tipo de relação amorosa – inclusive a monogâmica – não atrelada a quaisquer registros formais. Ou seja, pessoas que se relacionam sem intitular-se “namorados” ou “casados”.

Dentre todos os estilos, o relacionamento livre é o que mais se aproxima do relacionamento poli, já que ambos dão grande flexibilidade afetiva e sexual à formatação das relações. No entanto, o poliamor não se preocupa tanto com o distanciamento de rótulos, que é uma característica fundamental do amor livre. Portanto, são movimentos distintos.

Relacionamento Aberto

Acreditam que desejos sexuais por outras pessoas procedem mesmo durante um relacionamento fixo e que reprimi-los pode gerar estresse entre o casal. Defendem a monogamia afetiva em parceria com a liberdade sexual. Portanto, relações extraconjugais não são consideradas como infidelidade, contato que não haja envolvimento amoroso; este deve existir apenas entre o casal. “Liberamos o desejo, não o sentimento”, diz um adepto. É importante ressaltar que o relacionamento aberto costuma funcionar melhor quando há regras bem definidas e consentidas por ambos para evitar desentendimentos.

Em contrapartida, poliamoristas são a favor da liberdade amorosa, além da sexual. Cada parceiro poliamoroso pode nutrir quantos namoros e/ou casamentos ele quiser – independentes ou conjuntos.

Swing

Refere-se à troca sexual de parceiros entre dois casais. Seus praticantes geralmente buscam se livrar da monotonia que tanto atormenta a maioria dos casais de longa data. O swing é quando dois casais se encontram ocasionalmente para trocar de parceiros em busca de diversificar o sexo, não havendo trocas romântico-afetivas. Diferente do relacionamento aberto, a prática do swing nunca acontece separadamente e exige concordância prévia entre os parceiros. Ou seja, os amantes não podem se encontrar a sós com mais alguém. Quando isso acontece, considera-se traição e, conseqüentemente, gera discórdia entre o casal. Por conta disso, os swingers são considerados monogâmicos.

No poliamor, os parceiros não buscam por casais. Cada um pode ter quantas relações afetivas quiser independente do outro. Além disso, aqui sexo não é objetivo como acontece entre swingers, sim conseqüência.

Poligamia

Teve início com a desproporção numérica entre homens e mulheres ocasionada pelas guerras, o que favoreceu o patriarcado. Décadas mais tarde, tornou-se popular a associação entre o conceito de poligamia e poliginia, no entanto, a poligamia também pode ocorrer entre mulheres, recebendo o nome de poliandria. A poligamia é uma forma de casamento comumente associada à religião mulçumana e reconhecida pela legislação de mais de 50 países, onde a população segue os ensinamentos do Alcorão – livro sagrado dos mulçumanos – que permite ao homem ter até 4 esposas, com a condição de que dê atenção igual a cada uma delas.

Tanto a poliginia, quanto a poliandria remetem a uma prática unilateral, em que apenas um dos sexos tem o direito de nutrir mais de um parceiro. Já o poliamor, além de não ter associações religiosas, é sempre bilateral porque defende o direito à liberdade de ambos. Ou seja, todos os parceiros podem amar e se relacionar com mais de uma pessoa. Ocasionalmente, um homem ou uma mulher pode ter mais de uma relação, enquanto o outro tem apenas a ele ou ela. No entanto, se é conservada a liberdade mútua para seguir novas escolhas, a prática não deixa de se caracterizar como poliamor.

Além de tudo, o significado de poligamia está muito mais atrelado ao ato do casamento do que à afetividade entre seus participantes. Casar com várias mulheres ou vários homens não significa necessariamente nutrir sentimentos por todos eles. Afinal, casamento nunca foi sinônimo de amor. A poligamia pode acontecer, também, como mera fidelidade a determinados padrões culturais religiosos; mera formalidade. Por outro lado, o poliamor é motivado apenas pela afetividade múltipa e tem formato fluido, portanto é uma pratica livre de padrões e incentivos religiosos.

“Ficar”

“Começou nos anos 80 entre os adolescentes, e consiste em trocas de caricias que vão dos beijos e abraços até alguma coisa mais, geralmente sem chegar ao ato sexual. O ‘ficar’ dispensa qualquer tipo de conhecimento prévio e qualquer tipo de continuidade (…) é uma forma não compromissada de relacionamento afetivo, no qual não há pressuposto de fidelidade/exclusividade”, diz Regina Navarro em A Cama na Varanda.

O poliamor, assim como o “ficar”, não exige exclusividade. Porém, há uma diferença discrepante entre os dois: enquanto “ficantes” não sentem amor ou qualquer senso de compromisso um pelo outro, poliamores se desenvolvem emocionalmente da mesma forma que um namoro comum fechado – só que aberto. Tanto o poliamor quanto o mono crescem por meio de uma ligação sentimental profunda. Amor, compromisso, responsabilidade e sinceridade são algumas das características essenciais entre policasais e dispensáveis entre ficantes.

Outra grande diferença entre poliamar e “ficar” é que o “ficante” deixa seu parceiro livre por não amá-lo ainda, e o poliamorista da liberdade a seus amantes justamente por amá-los.

– Fernanda Fahel

O que é o Poliamor?

"O nosso amor agente inventa" (Cazuza)

“O nosso amor a gente inventa” (Cazuza)

A palavra poliamor refere-se à prática de relacionamentos estáveis múltiplos, simultâneos e consentidos por todas as partes envolvidas. Baseia-se no princípio de que é possível se apaixonar, amar e relacionar-se sexual e afetivamente com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, podendo ou não haver hierarquização entre os parceiros.

Os relacionamentos (afetivos e sexuais) podem ser independentes uns dos outros ou grupais, havendo uma espécie de rotatividade interna aberta ou fechada ao mundo “extra-policonjugal”. Ou seja, aqui não se faz costume a pratica da exclusividade amorosa ou corporal, o que, a princípio, pode-se interpretar como perda do sentimento de ciúmes. Mas, diferente do que muitos pensam, o poliamor não elimina a vaidade “conjugal”, apenas reformula sua lógica em um novo e mais saudável raciocínio, que desvaloriza o ego frágil como prova de amor verdadeiro – associação errônea e comumente atrelada às relações monogâmicas. (Entraremos em detalhes sobre o tópico ciúmes em postagens futuras)

A monogamia parte do principio de que um é especial para o outro na medida em que sua existência descarta a necessidade de outros parceiros. Frequentemente mantém-se uma relação com uma pessoa até que apareça alguém melhor. Em contrapartida, o poliamor enxerga cada relacionamento, não como único recurso, mas como uma escolha diária e independente – já que um amor não exclui a possibilidade do outro. Um sente-se especial por ter certeza de que é insubstituível. “Se as pessoas que amamos tiverem a liberdade de amar outras, ganha-se a autoconfiança e a segurança de saber que continuarão a estar conosco porque nos amam, e não porque nada mais lhes resta. Por outro lado, se um dia nos deixarem, será simplesmente porque já não nos amam, e não porque tiveram de optar.”, diz Miguel Viterbo e Daniel Cardoso, colaboradores do PolyPortugal, grupo de discussão e apoio aos interessados e praticantes do poliamor.

Um envolvimento poli pode acontecer de várias maneiras. Nem sempre, por exemplo, todos os parceiros relacionam-se entre si. Alguns – ou todos – podem estar apenas cientes da existência dos outros; podem até nunca tê-los visto. Além disso, a adesão à prática não significa que a pessoa sempre se relacionará com mais de um parceiro. Duas pessoas poli podem, por circunstância, se envolver nos moldes monogâmicos, porém mantendo a liberdade, para ambos, de afetuar-se por mais alguém e, assim, começar um segundo namoro. A depender do processo, o novo parceiro pode envolver-se apenas com um deles – enquanto o outro continua mono – ou aderir ao casal, formando um trio. Eventualmente e conforme as necessidades de cada um, mais rapazes e moças podem aparecer (para um ou ambos), aumentando o número de ligações afetivas e/ou sexuais concomitantes e consentidas.

O que não necessariamente significa “suruba”. Afinal, mesmo solteiro e teoricamente livre, ninguém se apaixona ou tem relações sexuais todos os dias, a qualquer momento, com/por qualquer pessoa. Você pode fazer isso se quiser, você é livre, o corpo é seu, mas poder não significar querer. Assim como querer, nem sempre significa fazer acontecer. O mesmo ocorre nas relações poliafetivas. A quantidade de parceiros românticos e/ou sexuais depende apenas das necessidades individuais de cada um.

Fernanda Fahel